Pai Firmino do Congo
Mensagem recebida em 18 de dezembro de 2006
por Mãe Luzia Nascimento
Dirigente do Centro Espiritualista Luz de Aruanda
Terreiro Filiado ao Centro Espiritualista Caboclo Pery
- Jacobino feitor marvado, um dia te pego na virada. Um dia te mostro que o teu chicote pode inté ferir lombo de negro, mas, que ele jamais tirará a esperança de liberdade para todos esses irmãos de cor que vivemo nessa senzala. Ah! Jacobino tua hora vai chegá e tu vai ter qui fazer a prestação de conta e aí sim, nós vamo nos acertá.
Esses eram meus pensamentos enquanto mais uma vez toda senzala assistia a mais uma sova dada por Jacobino em um dos negros que fora reclamar os maus tratos vividos e do abuso do Comendador Mendonça em querer aliciar sua filha.
Coitado do negro Ernestino, depois de 50 chibatadas ficaria por mais uns dez dias naquele tronco exposto ao sol e a chuva sem direito a pão e nem a água levando todo dia um banho de sal nas costas para jamais esquecer a sua ousadia. Quem já viu alguém tirar satisfações com o senhor Comendador! Nem a sua própria esposa a Sinhá Iolanda ele ouvia. Da casa grande a sinhá a tudo via e ouvia sem nada poder fazer, pelo ao menos naquele instante.
Depois daquela cena monstruosa, todos os negros foram dispersos e eu,Negro Firmino,saí dali com mais raiva ainda daquele feitor. E a voz de meus pensamentos gritava: - Ah! Feitor marvado, mestiço atrevido, um dia te pego. Pego sim! E aí ocê vai ver que negro também é gente! De repente escutei junto a mim uma voz suave que me perguntou:
- Meu fio,onde suncê acha que essa raiva vai te levar? Prá um caminho bom é qui num é! Frimino, Frimino doma esse teu gênio e toma tento! Se tu te vingar, vais parar no tronco tombém iguarzinho a Ernestino e como vai ficar nosso povo? Olha nossas crianças, Frimino! Elas precisam de suncê e num é lá do tronco que ocê vai fazer alguma coisa por elas, é?
Então eu disse:
- Quem é que tá falando comigo? De onde vem essa voz?
Foi aí que um clarão se fez ao meu lado e eu vi a das Dor, a Maria das Dores, que houvera morrido no tronco. Ela estava ali formosa, mais jovial e com semblante de muita paz.
Perguntei então: - Das Dor, como é que ocê tá aqui falando comigo se ocê morreu? Eu mesmo junto com os outros te enterrei.
- Ora essa Frimino! Ocês enterraram o corpo, porém ocê esqueceu que o Espírito é imortá? Agora posso ir onde eu quiser aqui no Engenho para ajudar nossos irmãos e o que é melhor, Frimino, feitor nenhum me barra. Frimino meu fio, venho te dizer que tire essas idéias do teu camutué, pois todo esse sofrimento tem uma razão de ser. Nós num sofremo à toa não Frimino e no passado num fumo tão bonzinho assim. Lá em Aruanda, colônia espirituar em que se encontram muitos dos nossos, sempre nos é explicado que nada acontece sem a permissão de Zambi e que tudo que passamos nesse torrão chamado Terra está dentro da lei de causa e efeito.
- Mas qui diacho de lei é essa das Dor, que só dá ganho pro Comendador e prá Jacobino?
- É a lei que vem nos convidar ao ressarcimento dos erros de outrora ,e ao invés de ocê ficar aí praguejando contra eles, vai rogar forças a Pai Ogum e Pai Xangô para que Ernestino suporte com coragem e resignação essa hora de dor. Vai lá no riacho, recolhe água da cachoeira, pega umas palmas de babosa, pisa elas e faz uns ungüentos pra colocar nas costas daquele pobre coitado. Faz uma beberagem da casca da aroeira, do caju roxo e da quixabá e dá pro Ernestino, pois ele ta cum muita dor e a ferida pode infeccionar.
- Mas como Ernestino vai poder tomar isso se ninguém pode se aproximar dele?
-Espera Frimino, a providência divina se fará. Um anjo de luz vai te procurar na calada da noite do lado de fora da senzala para ajudar. A verdadeira valentia não é aquela que afronta, mas é aquela que sabe agir na hora certa, sem ir de encontro à lei maior. Vai Frimino, que o tempo corre.
- Mas das Dor,quando vou te ver de novo?
- Sempre qui eu tiver permissão e trabalho no bem a fazer ou suncê acha que o Espírito vive prá brincar? Conto com ocê Frimino. Agora vou prá junto de quem vai lhe ser de valia.
Mesmo sem querer sair de junto de das Dor, fui fazer o que ela me mandou até porque dispois de nossa conversa ela sumiu. Fiquei do lado de fora da senzala pitando meu cachimbo. A noite já ia alta quando de repente ouvi passos se dirigindo para aquele lugar e uma voz a me chamar:
- Firmino, Firmino! Onde está você?
- Eu estou aqui, respondi.- Quase que caí de susto ao ver a sinhá Iolanda ali.
- Vamos Firmino, Ernestino precisa de nós. Fez tudo o que Maria das Dores lhe orientou?
- Fiz, sim! Mas como é que a sinhá sabe que ela me pediu alguma coisa? A senhora também a viu foi?
- Não Firmino, vê eu não a vi! Porém escutei a voz dela falando comigo e dizendo que você precisaria de minha ajuda para salvar o Ernestino. E aqui estou. Vamos ao trabalho!
- Mas sinhá,o Jacobino deixou os capangas dele vigiando o tronco.
- Não se preocupe, quero ver quem vai desacatar D. Iolanda, a esposa do Comendador Mendonça. Nessa hora Firmino vou me valer dessa minha condição, afinal de contas, também sou senhora aqui.
- E o Comendador sinhá?
- Dorme depois de umas boas taças de Vermouth.
- E quando ele souber?
- Isso é assunto meu, não se preocupe. Vista essa capa e quanto a estar comigo você está cumprindo minhas ordens, pois também exerço direitos sobre você.
Naquela hora vi quanto minha sinhá era realmente um anjo de luz e a um anjo ninguém desobedece e esse negro Firmino estava com minha sinhá para o que desse e viesse.
Ao chegar em frente ao tronco, logo fomos percebidos pelos capatazes que vieram ao nosso encontro, não reconhecendo a sinhá Iolanda.
Ao vê-los, ela disse:
- Desamarrem o negro do tronco, pois vim cuidar dele.
- Senhora Iolanda, não podemos fazer isso. Recebemos ordens do Jacobino de não deixar ninguém mexer nesse negro. Além do mais, o senhor Mendonça não vai gostar de nada disso.
- Realmente - respondeu a sinhá. - O senhor meu marido não vai gostar de saber que vocês afrontaram à senhora desse Engenho, ou será que não perceberam que também mando em vocês? Desamarrem o Ernestino agora! E podem se recolher, pois vocês não acham que ele tem forças suficientes para fugir daqui depois de um tratamento desalmado desses que recebeu?
- E quem é esse que está ao seu lado?
- É o negro Firmino que fui buscar na senzala e está aqui cumprindo minhas ordens. O que vocês estão esperando? Já disse, desamarrem o Ernestino!
- Senhora Iolanda, vamos acatar sua ordem, porém saiba que devemos satisfação a Jacobino e ao Comendador.
- Façam como quiserem. Quanto ao comendador cuido eu.
- Façam como quiserem. Quanto ao comendador cuido eu.
- Vamos Firmino segure o Ernestino para mim e traga-o para a senzala. Lá, numa esteira, cuidaremos dele melhor. Senhores, tenham uma boa noite.- Essas foram às palavras finais de D. Iolanda.
A prática do curandeirismo entre nós era muito comum e isso era do conhecimento de minha sinhá, que inclusive já houvera se curado várias vezes com o uso das ervas. O pobre do Ernestino não conseguia nem falar de tanta dor, só gemia. Ao olhar para a Sinhá Iolanda lágrimas lhe caiam na face.
Ao chegarmos na senzala, deitei o negro na esteira de bruços, antes lhe dei a beberagem e só depois a sinhá começou a limpar suas costas. Utilizou a água do riacho que eu havia recolhido e depois colocou os ungüentos de babosa. Velou ao lado do Ernestino o resto da noite e antes do dia raiar, retornou a Casa Grande. Porém ao se despedir de todos nós, pois os outros negros acordaram com nossa chegada, ela pediu ao Ernestino que ele não desafiasse mais o Comendador, pois morto ele não seria de nenhuma valia. Me pediu ainda para cuidar de seus curativos, trocando os ungüentos e que mandaria da Casa Grande a alimentação necessária para reerguimento dele, pois tinha perdido muito sangue.
- Sinhá como vai ser quando o sol raiar? Quando o Comendador souber? Temo pela senhora.
- Não se preocupe Firmino, a cada dia o seu próprio problema. Além do mais, meu pai estará chegando para me visitar nessa manhã e eu duvido que o senhor meu marido tente algo contra mim.
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