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quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Ouvir Mais, Trabalhar e Falar Menos

Nhá Barbina
Preta Velha de Luanda
Recebido em 20/01/2007 por Mãe Luzia Nascimento
Dirigente do Centro Espiritualista Luz de Aruanda
(Terreiro Filiado ao Centro Espiritualista Caboclo Pery)
        Quando nega velha veio de Luanda, veio com os olhos rasos d’água. O coração vinha tão sofrido, tão despedaçado, era tanta dor que chegava inté sufocar. Nega véia ficava o tempo todo a indagar:
- Donde está o Deus de nossos Ancestrais que nada fez para nos livrar dessa situação, dessa vergonha? Donde está os guerreiros de nossa tribo que nada faziam? Donde está toda valentia que demonstravam na tribo? Maldita ambição de ser rico, de herdar outras terras e conquistar outras tribos! Maldito Barnabé! Por culpa dele nóis tava ali aprisionado.
 O que me dava um certo conforto é que ele também tava preso iguarzinho a nós. Caiu na merma arapuca que armou!
 Em um momento nosso olhar se cruzou e eu lhe disse:
- “Maldito negro, viu no que deu tua ambição? Tu vendeu toda tua gente. Enquanto vida eu tiver Barnabé vou te cobrar por tudo isso! Fica bem longe de mim! Pois se me sortar daqui num sei de que sou capaz”.
 O capataz que tomava conta de nóis, a tudo ouviu e me disse:
- Negra é melhor parar com essa briga, pois nada vai adiantar, porque se continuar falando eu vou cortar tua língua.
 Me aquietei por alguns instantes no meu canto, ou melhor, no canto que me restava. Como aquelas correntes doíam! Como fedia aquele porão! Como eu tinha nojo daquela situação!
 Ambrósio que vinha ao meu lado disse:
- Barbina, Barbina! Cala tua boca se não vai ser pior pra nóis. A tua revorta pode nos levar a coisa pior e seja lá pra donde eles tão nos levando eu quero chegar vivo.
 - Suncê é outro Ambrósio frouxo e covarde! Mas, deixa eu sair daqui, suncê e os outros vão ver o que eu vou fazer...
 Nem cheguei a terminar o que estava dizendo já senti nas minhas costas forte chibatada e a voz do capataz a dizer:
 - Negra atrevida e arredia se tu trata os da tua laia assim, o que não irás fazer aos que vais servir? O patrão não gosta de quem reclama e fala demais, já te avisei para fazer silêncio ou queres virar comida de peixe?
 Eu estava ensandecida, num tinha ainda aprendido a lição. A chibata ao invés de me amedrontar fez com que eu sortasse a língua mais uma vez.
 - Num tenho medo de suncê, nem do seu patrão, além do mais suncê só mostra valentia porque tem uma chibata na mão, queria ver se suncê é tão valente sem ela.
 Qui me alembre foi à última frase que falei. Para dar exemplo aos outros negros, o maldito capataz disse:
- Pensando bem negra, não vou fazer você virar comida de peixe não, seria um desperdício, pois, você tem braços e pernas fortes. O ódio que sentes e corre em tuas veias vai te ajudar a trabalhar; se eu te matar vou ter de pagar ao patrão que não fica com nenhum prejuízo. Vou fazer algo melhor! Vejo que o teu corpo tem uma parte que não é muito boa e quando algo não tem serventia deve ser retirado. Já sei como vou te calar negra maldita!
         Em seguida o capataz olhou para os outros negros e disse:
- Que sirva de exemplo a todos. E de uma vez por todas entendam quem manda por aqui.
 Levei mais dez chibatadas, desmaiei de tanta dor. Porém, o pior ainda vinha. Sem piedade nenhuma o capataz arrancou minha língua e entre risos e sarcasmos disse: - Fala negra! Fala agora que eu quero ver! Mostra tua valentia!
 Olhei para negro Ambrósio, dos olhos dele desciam fortes lágrimas. Barnabé nem levantava o rosto e tapava os ouvidos para não ouvir meus gemidos. Ele enlouqueceu de tanto pavor!
 Ambrósio convenceu ao capataz a deixar cuidar de mim já que se eu morresse haveria prejuízo para o patrão. Nunca mais negro Ambrósio se afastou de mim e servimo juntos na mesma fazenda. Eu na cozinha da Casa e ele cuidando dos animais da fazenda e na época do charqueado ficava nessa lida.
Num preciso dizer que levei o resto dessa existência amargando minha rebeldia e da minha voz nenhum som mais se ouviu. Porém eu escutava muito bem, e embora não pudesse responder escutava vozes que diziam: tem paciência Barbina, um dia tudo isso vai passar e suncê outra vez vai fazer faladô.
 Suncês nem imaginam minha alegria quando voltei pra Aruanda dispois de fazer meu passadô ao ver que tudo voltava a ser como antes; nada fartava em meu corpo. A língua que me fizera tanta farta na vida física agora só usaria para as coisas úteis.
 Nega Barbina houvera aprendido a lição: “ouvir mais, trabalhar e falar menos”.

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